O Deus da Rua Carijós



O Deus da Rua Carijós.


Depois das 23 horas a cidade muda de comportamento. Surge outro mundo com os ratos, as baratas e os morcegos. Ali pelas bandas da Rodoviária de Belo Horizonte o insólito inexiste, pode-se encontrar desde decrépitas prostitutas seminuas a belos travestis vestidos de Carmem Miranda ou de Michael Jackson. Muitos bêbados solitários, os zumbis do crack e os exploradores desta miséria toda.
Um bêbado descia a Rua dos Carijós cambaleando muito e cantando um samba antigo. Dezenas de pessoas com aspectos cansados se enfileiravam no ponto de um ônibus que vai para a periferia. Uma van de transporte clandestino pára na fila, e recolhe as pessoas que podem pagar a passagem. Deixa para o coletivo legalizado um número enorme de idosos e outros que tem passes livres. No transporte clandestino só entra quem pode pagar a passagem.
O Bêbado continua a cambalear. Quando a van tenta arrancar é impedida por ele. O motorista põe a cabeça do lado de fora e com a educação peculiar da maioria dos ilegais grita a todo pulmão:
_Quer morrer velho filho da puta?
Ele não se abalou, parou na frente do enorme veículo como fosse aquele chinês que enfrentou uma coluna inteira de tanques bélicos, em junho de 1989, na Praça da Paz Celestial. Parou o samba, abriu os braços e gritou:
_ Velho? Eu, velho? Um Deus nunca envelhece.
E continuou a descer a rua no seu balé etílico.

Comentários

  1. Aquela região de BH tem uma riqueza cultural que poucos conseguem enxergar...por meio da narrativa, pude ver e sentir cada canto ali descrito...sensacional...

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  2. Legal Laércio, más não sei onde você viu "belos travestis" perto da rodoviária, acho que você é colega de copo do bebum.

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  3. Ótimo texto.
    Roberto Jr.

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