POR FALAR EM PLEBISCITO
POR FALAR EM PLEBISCITO
As periferias são comumente tratadas com descaso pelas grandes
cidades. Essas se preocupam com o entorno da sede e com os bairros ricos. O
resto os políticos embrulham bem devagar.
Eu morei no Bairro Lindéia, na casa do Senhor Lazinho, gente
da melhor qualidade, que tinha ainda no lote um boteco e um cavalo. A ótima casa
era à beira de um córrego podre. Os esgotos das casas corriam a céu aberto para
esse destruído regato. A avenida não tinha asfalto e quando chovia até o cavalo
do Senhor Lazinho tinha dificuldades de locomoção. Ônibus, nem pensar.
No quesito humano foi o melhor local em que já morei. Os
vizinhos e o dono da casa eram sensacionais. Tinham sempre a grandeza do sorriso
franco e um bom dia amigável. Eram delicados e carinhosos com os meus filhos. O
Filipe, na época, tinha cerca de dois anos, costumava fugir de casa para se
aconchegar e usufruir do cafezinho doce da Dona Maria, esposa do proprietário.
Da meia parede que nos dividia eu o escutava chamando a Dona Maria: “Iiiia... íiia...
aafé”.
O lugar não tinha estrutura nenhuma, era abandonado. Enquanto
os bairros vizinhos estavam totalmente asfaltados e cobertos por saneamentos
básicos, o Bairro Lindéia era uma ilha esquecida. O motivo eu já disse: Belo
Horizonte tem o costume de abandonar a periferia e cuidar bem dos lugares mais
abastados da classe A.
Os moradores revoltados conseguiram impor um plebiscito para
o distrito deixar de pertencer a Belo Horizonte passando para Contagem, cidade
que todos imaginavam, cuidava melhor da periferia.
No dia da votação um repórter da televisão entrevistou um
dos moradores:
— O senhor é
a favor ou contra a mudança?
O morador,
sem pestanejar:
— Eu sou contra. Aqui pertence a capital, eu moro na
capital, se trocarem vou passar a morar no interior.
Eu, com a minha câmera fotográfica e o repórter, nos
entreolhamos surpresos, e seguimos colhendo opiniões. Cada morador com a sua opinião
e com os seus motivos particulares. O coletivo esquecido em um canto.
Atualmente o bairro não tem mais estes problemas. Agora é muito
pior. A peste é o trafego das drogas e a sua parceira, a violência. Os sorrisos
francos foram substituídos pelo medo.
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