CLIMA DE URGÊNCIA



“Fico parado diante do computador agindo digitalmente. A inação me convém. Sinto-me uma pessoa do meu tempo agindo assim com a ponta dos dedos. Sem sair do mesmo lugar, ajo sem agir”. Marcia Tiburi no livro, Como conversar com um fascista, da Editora Record, página 140.
 A fluidez do mundo digital (fluidez para lembrar o conceito de mundo líquido do pensador Zygmunt Bauman) trouxe uma aberração nas relações comerciais que me deixa incomodado, o clima de urgência. Tudo é urgente como se um clique fosse o suficiente para resolver qualquer coisa. O obturador da câmera precisa ser trocado depois de certo número de cliques porque a obsolescência programada obriga. Então o fotógrafo do interior do estado, liga de manhã, e diz que está chegando para trocar o “shutter” e precisa ir embora antes do meio dia. Uma varinha mágica digital é ferramenta essencial na mesa do técnico. Na lanchonete ninguém quer esperar mais que alguns minutos para o lanche ser servido. O motor queimado no portão da garagem do prédio deve ser trocado com um Ctrl Z ou com um clique do carimbo do Photoshop, de preferência pelo celular, de onde o síndico estiver.  No domingo, na sorveteria, uma senhora apelou porque teve que esperar outras três pessoas serem atendidas, depois quis experimentar vários sabores antes de se decidir por chocolate. Exclusivismo, pressa, folga, egocentrismo, e o uso da “justiça” digital para chantagear: “Ou faz o que quero, ou te destruo nas redes sociais”.
A escritora Ana Elisa Ribeiro escreveu em uma linda crônica para o Digestivo Cultural (Minha coleção de relógios, dia 31 de outubro de 2008) sobre um bate papo dela com o relojoeiro do bairro, meia hora de papo enquanto o profissional reparava a coleção de relógios dela. Hoje seria improvável a meia hora de papo, o normal é o cliente chegar gritando que o carro está na fila dupla, e mais normal ainda é o cliente não dar a mínima para o fato de que do outro lado há uma pessoa, gente de carne, e não um monte de bytes esperando o comando.   

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