Postagens

Mostrando postagens de 2015

MÍSSIL TELEGUIADO

Imagem
MÍSSIL TELEGUIADO Dafne sai de casa decidida e mais linda do que o habitual. A saia curta desfiada deixa as suas tatuagens nuas. Folhas de louro descem das coxas roliças até a panturrilha. A blusa curta de seda alva deixa a flecha de chumbo exposta, atravessando as costas lisas. Os seios desprotegidos são mais ameaçadores do que as flechas de Cupido. No metrô, as pessoas se encantam. O jovem desliga o funk que atormentava a todos, coloca uma música melosa e fica olhando sonhador. Ela pensa: “Retardado!”. O tiozinho olha tímido, mas fixo. Ela: “Palhaço!”. A moça de cabelos azuis a encara lascivamente dos pés à cabeça. Ela: “Sai fora!”. Dafne desce na estação Central. Os seguranças a olham e fazem comentários entredentes. Ela torce os lábios, fazendo uma careta arrogante, e pensa alto: “Porcos machistas!”. Os mendigos da Aarão Reis assobiam e falam obscenidades. Ela segue calculadamente gélida, e enojada, diz: “Deveriam tomar banho!”. Entra no edifício. O porteiro faz “f

Prometeu

Imagem
PROMETEU  Não devo mais escrever poemas, Em vez disso farei bolinhos da minha carne e distribuirei nas ruas da minha cidade, no ônibus, nas construções, na missa e na fila do posto de saúde. Para não receber só sorrisos apimentarei alguns, exageradamente. Pode ser que alguém premiado com o ardor extremo agradeça, os olhos lacrimejantes e a face rubra. Pode ser que um contemplado com a carne pura, me seja ingrato e frio. Talvez a minha família aplauda desta vez, Talvez a minha esposa reclame a matéria prima desaparecida. Talvez eu até encontre patrocínio entre os amigos. Talvez um perito nos mitos reconheça alguma mitologia no ato. Talvez a minha carne não apodreça agarrada na gaveta do meu corpo. ........................................................................................................... (...Então, um abutre insaciável, — o cão alado de Júpiter — virá arrancar de teu corpo enormes pedaços e, — comensal não desejado — voltará todos os dias para se nutrir

Brincando com Larinha

BRINCANDO COM LARINHA Sou uma foca, salto, bato palmas,  equilibro a bola no nariz. Sou o lôro verdinho, fiu fiu... bico calado! Vão querer me prender. Rolo pelo chão, deito-me aos seus pés. Não arranque o meu bigode, miau...    Jogo pipocas para o alto,    Salto, pego no ar.    Tenho pulgas na calda,    rodopio a coçar,    Caimm... Balanço a cabeça bufando e batendo as patas no chão, dou com os chifres no capote que é a saia da mamãe, Muuu...    Cisco os legos espalhados,    finjo ser o senhor do pedaço,    cocoricó... mamãe faz que não, to fraco,    to fraco, to fraco. O cimento é um lago, nado, Quac! Água fria!   Ganho um beijo, viro príncipe.                                                                                                          Ganho outro, me derreto.                                                                                                              Quando você ri a minha a

A revista Financial Time e o nosso filme B

A revista Financial Time e o nosso filme B A revista inglesa Financial Times afirmou no texto “ Recessão e corrupção: a podridão crescente no Brasil" que o nosso país parece um filme de terror sem fim. E não é que a publicação tem razão? Lembram daquelas séries intermináveis do Freddy Krueger , do Jason   Voorhees ou do boneco Chucky? Personagens bizarros, diálogos manjados, efeitos especiais preguiçosos que abusam das cortinas de fumaças e as intermináveis continuações. A oposição brasileira não tem nenhuma intenção de ajudar a reconstruir o país. Quem está no poder vive refém de forças mal intencionadas e assustadoras, dentro e fora dos seus limites, como nos filmes citados. Quando essa turma atual perder a liderança virá outra que tentará um “pacto nacional pela governabilidade”, mas só contará com o rancor e o sentimento de vingança, um enredo tramado por eles mesmos e que perpetuará a nossa situação de espectadores de filmes ruins, só que os pesadelos são muito rea

Caridoso sim, otário não!

A primeira impressão pode enganar Eu estava saindo de um restaurante do centro de BH quando passaram rapidamente por mim o segurança e o dono da casa. Agarraram um rapaz que tentava sair sem pagar:  — Tentando sair sem pagar, safado?   O rapaz argumentou qualquer coisa e levou uns empurrões antes de conseguir fugir. — Nunca mais volte aqui, pilantra! Fiquei brabo com o dono restaurante. Não disse nada, só pensei “credo, agredir o cara por causa de um prato de comida?”  Fui embora prometendo nunca mais voltar. Dias depois meu amigo, que não sabia do caso, me liga convidando para almoçarmos no mesmo restaurante. Fui a contragosto. O serviço é self e a carne a gente busca em um balcão à parte, onde ficam as churrasqueiras.  Enquanto eu aguardava a carne que escolhi entrou um mendigo, não muito sujo, desses que estão lotando o centro da cidade. O dono do restaurante foi junto do segurança até ele, provavelmente para afastá-lo ou para avisar que não deveria pedir coisas ao

LEVEZA

LEVEZA Tocou bem de leve A minha canção A cal da saudade, O sal do perdão. Tão cheia de adeuses A lua, uivante, Quebrando o silêncio Sem atenuante. Exótico e alheio O espelho sem viço A dor se sustenta No velho feitiço. MARÍLIA ABDUANI

PEQUENO CONTO DA UTOPIA ABANDONADA

PEQUENO CONTO DA UTOPIA ABANDONADA Saio de casa a esposa linda fica cantando Chico, “Ah, se já perdemos a noção da hora...” No corredor do prédio a vizinha interpreta do seu jeito o soneto musicado, “uma muié, que come a própria lua, tão linda que só espaia sofrimento...” No ônibus o meu amigo nem me vê, está absorto em Guimarães Rosa e a conversa de bois.  No metrô o cidadão que lê Osho dá lugar para a menina que lê Sérgio Fantini. Desperto assustado com sons de latas batendo, misturados com palavrões e gemidos histéricos. É um funk, em um carro, rasgando o ar fétido da manhã. Estou no meio dos mendigos da escadaria do Edifício Sulamerica. O corpo dói e na boca o gosto do conhaque barato e de outras porcarias. Na cabeça que lateja, pulsam ainda os versos que me transportaram para esse lugar, Falam de enxergar o jardim de dentro para fora, das raízes monstruosas para a película colorida das coisas. (Pensando livremente sobre o poema Jardinagem II da  Simone Teodoro , página 31 do

LIVRO PARA DOWNLOAD GRÁTIS

Menina da lua, uma presença, uma procura Foi o meu primeiro livro. Cheio de boas intenções, romantismo e liberdade, mas também quase nenhum conhecimento sobre poesia contemporânea nem sobre as exigências enormes que pesam sobre quem se aventura nessa arte. Fui conduzido pelo sonho. Hoje, quase dez anos depois, muita coisa mudou, os meus conhecimentos mudaram e principalmente conheci dezenas de poetas que fazem a poesia atual vibrar. Provavelmente eu não escreveria nada do jeito que escrevi. Pensando bem, há também textos que hoje eu não escreveria tão bem, porque a ingenuidade se foi. A Tradição Planalto Editora está disponibilizando o PDF do meu "Menina da lua, uma presença, uma procura" para download gratuito. Os amigos que quiserem conhecer a aventura romântica, ingênua e desvairada dos meus primeiros textos, fiquem à vontade. Ficarei honrado. Eis o links: Menina da lua, uma presença, uma procura

ÊXTASE

ÊXTASE A saudade veste a noite Quando se acende a lua. Lua branca, transparente, Na solidão da rua. É estéril a alegria Nesses instantes sombrios Êxtase indecifrável Alma invisível no frio. A poeira do meu sono Rola na cama vazia, O coração sangrando Dentro da antiga agonia Marilia Abduani

Atleticano típico

O meu pai era atleticano típico, chato. Nunca ligava para saber noticias dos netos, ou para qualquer amenidade. Quando o galo vencia o Cruzeiro eu já esperava a ligação eufórica dele, bem cedo: – Laércio cê viu meu galo?  Era o maior vínculo que conseguia.  Muitos anos depois da morte dele eu ainda espero aquela ligação. Na última noite eu sonhei com ele pegando no meu pé por causa do clássico de domingo.  Senhor Juquinha, se está me zoando do alem, porque não aproveita e me passa os números da megasena acumulada?

Colo - Jenário de Fátima

Imagem
Uma delícia de poema do amigo  Jenario de Fátima .  Difícil encontrar um soneto decassílabo na poesia atual. Quando encontramos geralmente são herméticos, incompreensíveis e chatos. Não é o caso deste belo poema que já se faz delicado e convidativo desde o título: "Colo". Simples, mas nos remete às memórias mais primordiais. O soneto nos "cobre de uma forma terna e mansa" com a beleza do poetar sem nos obrigar a uma buscas exegética por signos e mitologias. Entretanto não é superficial, é repleto de sentidos (significatus) e é perfeito dentro da forma clássica escolhida. Para mim que sou só um leitor comum, o poema é uma aula de poesia.

SER MODERNO É ENTREGAR-SE?

SER MODERNO É ENTREGAR-SE? Ser antenado não é concordar com tudo que rola no seu tempo. Moderno é habilitar-se para as novas tecnologias e ficar permeável às novas ideias, não é atolar-se nos podres que todo período da história sempre tem. O mal é progressivo e se hoje estamos escandalizados com os crimes na Petrobras e no HSBC, saiba que eles são filhotes malditos das pessoas que reelegeram políticos comprovadamente corruptos. Eles são a herança deixada por quem pagou propina para conseguir uma regalia ou por quem mentiu para receber o seguro desemprego. Saiba também que se esses crimes não forem punidos, eles serão pais de bandidagens maiores. Quando a sociedade acordar, não haverá mais sociedade.  Se você acredita que agredir os seus pais numa rede social é moderno, que isso é prova de sua liberdade, saiba que você está participando de um processo gradativo que pode levar o seu filho a acreditar, no futuro, que torturar os pais on-line seja a “trollagem ” ideal, então se pr

Coisa pequena

COISA PEQUENA (Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. Álvaro de Campos) Fui à casa do meu avô com uma namoradinha nova. Ela vestia uma roupa que para ele era indecente. Bomba H, como eu a apelidei posteriormente, falava gírias demais, há muito não estudava e era muito folgada. O “seu” Joaquim tinha uma intuição apurada, não gostou dela, não conversou, e nem se dispôs a ser cortês. Mais tarde, quando estávamos sozinhos, ele, que quase não falava, apontou o dedo para o meu nariz e disse em tom brabo: – Tome tento, Derço! Coisas pequenas te fazem pequeno, e gente pobre de espírito te transformam em uma coisa pequena. O mundo não tolera coisas pequenas. Eu não levei a serio, o adolescente geralmente quer distancia dos conselhos. Não demorou muito e a garota se mostrou uma péssima companhia, mas foi a primeira parceira. O problema com o conselho do meu avô é que eu não tenho a boa intuição dele e continuo a cometer enganos.

ÁGUA MINERAL PERRIER ENQUANTO MORREMOS

ÁGUA MINERAL PERRIER ENQUANTO MORREMOS Em qualquer direção que andamos para fora de Belo Horizonte, em qualquer das saídas nos deparamos com grandes tratores arrancando serras, derrubando matas, sugando minérios, assassinando nascentes, ou plantando prédios. Estão destruindo absolutamente o clima perfeito que sempre tivemos. Brumadinho e as maravilhas de Casa Branca, Sarzedo, Nova Lima e as maravilhas de São Sebastião das Águas Claras e Macacos, Congonhas (para “sofrencia” dos profetas), Sabará, Conceição do Mato Dentro; Jaguara, próximo a Pitangui... são inúmeras as cidades. Quando a exploração do minério tiver destruído todas as nascentes e todas as serras, o clima será um inferno maior do que o de hoje, um inferno. Então os exploradores estarão bebendo água mineral Perrier na França enquanto morremos.

Oração do Adão faminto

ORAÇÃO DO ADÃO FAMINTO (mil e dois intertextos) Senhor! Só uma vez. Senhor! Uma única vezinha. Senhor! Expulse-me, mas que eu leve essa maçã.