Coisa pequena

COISA PEQUENA
(Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. Álvaro de Campos)

Fui à casa do meu avô com uma namoradinha nova. Ela vestia uma roupa que para ele era indecente. Bomba H, como eu a apelidei posteriormente, falava gírias demais, há muito não estudava e era muito folgada. O “seu” Joaquim tinha uma intuição apurada, não gostou dela, não conversou, e nem se dispôs a ser cortês. Mais tarde, quando estávamos sozinhos, ele, que quase não falava, apontou o dedo para o meu nariz e disse em tom brabo:
– Tome tento, Derço! Coisas pequenas te fazem pequeno, e gente pobre de espírito te transformam em uma coisa pequena. O mundo não tolera coisas pequenas.
Eu não levei a serio, o adolescente geralmente quer distancia dos conselhos. Não demorou muito e a garota se mostrou uma péssima companhia, mas foi a primeira parceira.
O problema com o conselho do meu avô é que eu não tenho a boa intuição dele e continuo a cometer enganos. Devo ser agora uma coisa pequena em um mundo de seres gigantes “que nunca levaram porradas”.
– O mundo não tolera as “coisas” pequenas, Derço! – isso ecoa em mim.
Por causa disso criei um carinho todo especial pelos abandonados, pelos miseráveis, os pobres de espírito, os cães sem dono, os pássaros enjaulados, os fora do circuito, os independentes, os impublicáveis...
“Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza”.

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