CIDADÃO DO BEM

CIDADÃO DO BEM


Tu que andas à minha frente na rua
e balanças displicentemente os braços que nem eu faço,
e olhas as vitrines,
que reparas a moça que passa,
tu que atendes o telefone na calçada e falas compassado,
Qual o monstro tu andas a esconder, cidadão do bem?
Tu que almoças na mesa ao lado
e bebes Coca-Cola zero,
tu que vestes a camisa do Cruzeiro,
e comes calmamente um omelete com bacon
               [enquanto digitas risonho algo no smartfone,
Qual o monstro tu andas a esconder, cidadão do bem?
Tu que paraste o carro para o pedestre atravessar,
que manténs o veículo limpo e encerado,
que não avançaste o farol amarelo,
que não atendeste o celular enquanto diriges.
Qual monstro tu andas a esconder, cidadão do bem?
Tu que fizeste compras com a esposa,
e compraste cerveja e vinho português,
que esperaste o jantar nas mãos,
que alimentaste o peixe no aquário,
que alimentaste o canário na gaiola,
que alimentaste o cãozinho acorrentado,
que vais levar cigarro de palha para o velho no asilo,
Qual o monstro tu andas a esconder, cidadão do bem?
Tu que choraste a morte do cantor,
que te escandalizaste com o crime do goleiro,
que assistes o programa de polícia,
tu que vês novelas e choraste com o beijo polêmico,
que consultas o horóscopo
                [e sabes qual é o teu ascendente.
Qual o monstro tu andas a esconder, cidadão do bem?
Tu, tão ordinário,
que rezas o rosário e que cumprimentas o vizinho
que és convidado para um truco.
Tu que de tão prosaico pareces andar nu,
tu que vestes a armadura da internet,
e ficas invisível,
e arregaças as mangas,
e gelas o sangue,
e armas a alma,
e expões o inconsciente rancoroso.

Qual a monstruosidade tu reservaste para hoje, cidadão do bem?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CLIMA DE URGÊNCIA

Imitação de Van Gogh

Merecemos o paraíso?