A MUSA, O PLAYBOY E O JUMENTO


A MUSA, O PLAYBOY E O JUMENTO

Hoje eu vou contar uma história de desconfiança, de imaturidade, de ignorância e de quebra: de arrependimento.
Vou contar o milagre sem contar os milagreiros. Então vou dizer “musa” e “playboy” no lugar dos nomes.
O playboy era o “pegador” do bairro. Foi o primeiro da turma a ter carro, só andava nos trinques e era bonito e bem cuidado. Falava bem, era de uma família de melhor nível cultural e abastada para o padrão daquele bairro miserável. A mãe era professora e o pai funcionário público.
Por isso tudo ele era o tal. E era meu “amigo”.
A musa era a minha namorada. Linda, olhos claros, ardósia, boca farta de lábios e risos. E era a minha namorada. Não sei bem o quê ela via em mim, pobretão e feio, mas éramos alegres e cheios de planos. Eu a ajudava na escola e ela melhorava a minha autoestima. Era a minha namorada.
Um dia o playboy me chamou para um papo reservado:
_Bicho, você sabe que eu sou seu amigo, então é minha obrigação te contar: Eu to namorando a Musa. Você ta namorando na casa dela e eu to namorando na rua. Eu to te contando isso pra te prevenir de que ela é uma piranha e ta sacaneando nós dois.
Aquilo foi como um tiro ou um golpe do Anderson Silva no estômago. O meu costume, nas crises, é tentar relaxar para pensar, foi o que fiz. Só que só pensei o pior. Procurei a menina e com a cara mais cínica que pude dramatizar disse que tinha outra namorada e que não queria mais namorar-la. Lembro-me muitíssimo bem das reações: Enrubesceu toda, emudeceu, chorou aos soluços e me mandou embora. Nem uma palavra, só espanto.
Fui para um bar com a alma lavada e lavei a mágoa com álcool, pensando: É! As mulheres são falsas.
Sofri o sofrimento dos primeiros amores, mas passou. Ela nunca mais falou comigo, e quando me encontrava na rua virava o rosto. Algum tempo depois conheceu um sujeito bacana, casou e foi morar em São Paulo. Nunca mais tive noticias.
Eu me casei, o Playboy se casou e sumiu também. O tempo seguiu a normalidade.
Passados mais de vinte anos e eu encontrei o Playboy dentro do metrô de Belo Horizonte. Advogado, calvo, barrigudo, os dentes amarelos e um cheiro insuportável de cigarro e álcool. Eu não o reconheci, ele se apresentou sorridente. Lembramos do passado e rimos um pouco.
Então ele me acerta um soco pior que do passado:
_ Bicho a gente aprontava mesmo, lembra da Musa, aquela menininha emburradinha que você namorava? Pô meu, inventei pra você que eu namorava ela só porque eu ficava de olho e ela nunca me dava mole. Eu pegava qualquer uma, mas ela eu não consegui. Nunca consegui nada com ela. Êta muiezinha difícil!
Minha vontade foi matar e morrer, mas mantive a linha.
Despedimo-nos no centro de Belo Horizonte, ele se perdeu na Afonso Pena andando normal para a vida normal, e eu segui arrastando quatro patas ferradas, duas orelhas eqüinas e soltando coices ao vento. 

Comentários

  1. Eu li. Muito bom. Grande história hein. Me tocou bastante. Fala sobre vc as vezes se deixar levar por pessoas falsas e se enganar com elas, não é verdade?

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  2. Nossa...senti a tristeza dos nossos maiores erros através do seu personagem jumento....e a vida tá cheia dessas coisas...

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  3. Que história heim!!Me emocionei, eu espero numca ter que me arrepender,não desse jeito. muito lindo!

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  4. Muito bom! As vezes tomamos decisões precipitadas agindo por emoção e nos esquecemos de analisar com calma o problema. E ai já é tarde de mais...

    Parabéns, ótimo texto!

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  5. Muito bom! As vezes tomamos decisões precipitadas agindo por emoção e nos esquecemos de analisar com calma o problema. E ai já é tarde de mais...

    Parabéns, ótimo texto!

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  6. Nooooooossssssssssaaaaaaaa que triste

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