Descendo... descendo...


Descendo... descendo...

Descendo a escada rolante de um elegante shopping center, uma jovem se destaca. Alta, muito branca, com um vestido curto, quase transparente, deixando bem óbvio o triângulo minúsculo da lingerie. Seus quadris eram fartos e o andar, seguro. Nas panturrilhas, tatuagens tribais. No ombro direito, borboletas multicoloridas pareciam vivas.
Eu quis ver seu rosto, mas uma centena de outros jovens a rodeavam e aproveitavam o momento com algazarra. Projetei seu rosto no meu imaginário: Diva da música, artista famosa, modelo internacional, ou coisa do gênero.
Antes de chegarmos ao andar inferior, o telefone dela toca. Identifiquei no toque um funk carioca muito obsceno; obsceno mesmo.
Então, como mágica, as borboletas da moça iniciaram uma metamorfose ao contrário. Fizeram-se lagartas cujos pelos urticantes ameaçavam as pessoas em torno.
Chegamos ao andar inferior e ela atendeu ao maldito aparelho. Para cada palavra normal proferida, era expelida uma cascata de palavrões e obscenidades.
Ela tinha sotaque carioca e gestos exagerados, pouco femininos. Chegamos ao piso inferior, caminhamos para descermos mais um nível. O seu perfume almiscarado, floral, já me parecia ter um toque mórbido, meio cravo de defunto.
Mais gritos, mais gargalhadas, mais palavrões e mais aplausos.
Descendo mais uma escadaria, eu tive a certeza de que as tatuagens das panturrilhas eram arames farpados trançados em sansão-do-campo. Farpas, garras e espinhos projetavam-se para fora das pernas da moça e agarravam e arrastavam os jovens próximos, que se deixavam levar extasiados.
Guardou o celular na bolsa, descendo para o estacionamento. Cada palavra torpe que saia da boca da menina provocava delírios no seu cortejo e a cada andar percorrido o séquito aumentava. Havia jovens de todas as raças e orientações sexuais, havia pobres e ricos, cabelos arrepiados ou coloridos. A maioria gargalhava, mas havia quem chorasse também.
Agora eu tinha a impressão de que a cada andar descido, a temperatura do ambiente subia bastante e o ar ficava pesado. Algo no ar cheirava a enxofre. Lembrei-me de Dionísio, lembrei-me de Dante.
Enfim, chegamos ao estacionamento. Pude então me adiantar e ver o rosto. Era belíssima, atraente e angelical. Era uma ex-participante de um famoso reality show.
... pero que las hay, las hay.

Texto revisado por:

Comentários

  1. LEMBRA BEM A REALIDADE DOS JOVENS HOJE,PALAVRAS TORPES E MUITA,MUITA FALTA DE EDUCAÇÃO...INFELIZMENTE É A REALIDADE DE MUITOS,NAS ESCOLAS A GENTE TEM QUE CONVIVER COM ISSO,E COM O TRISTE FATO DE QUE ALGUNS PAIS ESTÃO PASSANDO A RESPONSABILIDADE DA EDUCAÇÃO PARA A ESCOLA,DAI TANTAS FALHAS ...MUITO TRISTE ESSA REALIDADE.

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  2. O sonho dos mais velhos era de que no século XXI os jovens fossem solidários, empreendedores e amassem a arte de pensar. Mas muitos vivem alienados, não pensam no futuro, não têm garra e projetos de vida. É um quadro que precisa mudar, com urgência. Uma grande tarefa da escola; imensa responsabilidade dos pais. É urgente mudar o modo de viver da atual geração que construirá o futuro do mundo.

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  3. Mudou,mudou o conceito de certo e errado,de bom ou ruim. Tudo conspira pra coisa ficar cada vez pior,se pelo menos sobrasse o respeito... Talves ainda o futuro fosse menos insuportável.

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  4. NA ESCADA ROLANTE..COM LÁERCIO PEREIRA
    -(Decassílabo=Dez sílabas poéticas)
    -
    Soneto-clássico-sáfico-heróico nº 4784
    Rimando ABAB-ABAB-CDC-EDE
    Sílabas fortes: na 4ª, 6ª, 8ª e 10ª sílabas.
    Mensagem-final no 14º VERSO,
    com apenas DEZ sílabas não gramaticais.
    Por Sílvia Araújo Motta/BH/MG/Brasil
    -
    Caro Laércio li, também desci
    degraus da escda longa que desceste,
    no [Shopping]...por seu texto, meu [merci]:
    pude sorrir, pensar nos jovens...neste
    -
    Momento eu lembrei-me da Derci,
    pois descreveste um certo modo...este
    que o [Funk] pede! Pura, onde cresci
    não conheci as tais presenças; deste
    -
    Cenário [Vip] que hoje é tão normal:
    televisão, jornais, na mídia, enfim
    é natural? Eu penso...que faz mal!
    -
    O palavrão no gesto que perpassa
    a rebeldia só se trata assim:
    -Educação é base e moda passa.

    ---***---

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  5. NA ESCADA ROLANTE..COM LÁERCIO PEREIRA
    -(Decassílabo=Dez sílabas poéticas)
    -
    Soneto-clássico-sáfico-heróico nº 4784
    Rimando ABAB-ABAB-CDC-EDE
    Sílabas fortes: na 4ª, 6ª, 8ª e 10ª sílabas.
    Mensagem-final no 14º VERSO,
    com apenas DEZ sílabas não gramaticais.
    Por Sílvia Araújo Motta/BH/MG/Brasil
    -
    1-Caro Laércio li, também desci
    2-degraus da escda longa que desceste,
    3-no [Shopping]...por seu texto, meu [merci]:
    4-pude sorrir, pensar nos jovens...neste
    -
    5-Momento eu lembrei-me da Derci,
    6-pois descreveste um certo modo...este
    7-que o [Funk] pede! Pura, onde cresci
    8-não conheci as tais presenças; deste
    -
    9-Cenário [Vip] que hoje é tão normal:
    10-televisão, jornais, na mídia, enfim
    11-é natural? Eu penso...que faz mal!
    -
    12-O palavrão no gesto que perpassa
    13-a rebeldia só se trata assim:
    14-Educação é base e moda passa.

    ---***---

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  6. hoje a deselegancia não se resume apenas aos shoppings, está em todos os lugares, devemos saber conviver

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